Identidade.

By a’C

Devo de estar a passar por alguma crise de identidade em que não sei o que quero nem sei onde estou, mas continuo e nem vou. Como um cão às voltas com a sua cauda, nas voltas elípticas tenho tonturas e desmaio num mundo paralelo, onde não há feio nem belo, nem bom nem mau, nem cansado nem descansado, nem frio, chuva ou vento, nem eco de riso, nem lamento. Se pudesse escolher entre os mundos, não sei qual deles escolheria porque me iria faltar a inquietação, o sentir e a emoção. O trágico momento da indecisão: o ter identidade é importante ou não?

Jan, 2022 © Vaz Carvalhosa

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Retiro do sono

A vida acontece entre dois sonhos
No intervalo que não durmo
Mas eu prefiro o retiro do sono
E aquele sonho
Que o mundo pula e avança
De mão dada em confiança
Um estado tão puro
Que me dá esperança
De ter outro sonho
Onde possa ser ingénua e criança
Ter aquele sentir primeiro
E vivê-lo inteiro.

Nada sei mais do que ser intensa

Intensidades de nada em luz

Assim brilham os corpos

Onde se sentam cabeças

Atracam pernas e braços

Mãos com dedos que se agacham

Olhos que se tocam por lazer

Auréolas que se levantam

De um rio que outrora foi viver

Correm as águas nos nossos pés

Jorradas do interior

Lágrimas e alegria

Uma junção única de amor

 

*prefixo de negação

Maio, 2020, ana’Carvalhosa

Podia

Podia o dia ser
A noite acontecer

Mas a manhã partiu
A tarde fugiu
A noite nem apareceu

Podia o dia ser
A noite acontecer

Mas flores ficaram
No cheiro das nuvens
Na observação da cor

Podia o dia ser
A noite acontecer

Mas a rua calou-se
A gargalhada abafou-se
Num gelo de morrer

Podia o dia ser
Mas a noite acomodou-se.

 

Maio, 2020 ©ana’Carvalhosa

a Razão e a Certeza

A razão e a certeza dela nunca andam lado a lado parecem o cão e o gato o gato e o rato e ninguém é apanhado
Um dia a razão falou e quis a certeza ao pé, esta nem se manifestou para não haver banzé, então a razão continuou em pé, discursando até se fartar, quando acabou, vendo que a certeza a si não se juntou, perguntou, não é assim certeza?
A certeza então levantou-se e dispôs-se a caminhar, mas qual não foi o espanto da razão quando viu que a certeza a abandonou, boqiaberta e atordoada, zangada arrancou, um cabelo que a incomodava e não mais a chateou.
A razão é coisa inacabada e a certeza voltou.

 

Maio, 2020 ©ana’Carvalhosa

Conquista silenciosa

Porque te procuro no silêncio
e sei que no silêncio existes 
ecos sem som 
porque em mim dormiste 
nos sonhos com som 
de quando te despiste 
e por grande alma te ter tocado 
observaste a cumplicidade 
do som trocado 
era silencioso 
em manhas de nem se ouvir 
mas o silêncio gritou 
procurou-te e não te encontrou 
serás outros silêncios 
que finalmente 
na realidade acordou
Eu procuro-te silêncio 
porque o teu som me avassalou.

Fev, 2020©ana'Carvalhosa

Dia nublado

Já espreita entre duas ruas
O sol nublado das suas luas
Terá já acordado ou dorminhoco prossegue
No deslizar do momento que sem pressa o procede
De pouco visível
Tapado nas suas vestes
De cetim aveludado
Nem mete o nariz de fora
Olha-nos de lado

 

Fev, 2020 ©ana’Carvalhosa

tempo

25ago16

quanto tempo

parado no tempo

a ver o tempo

correr de encontro ao tempo

que o tempo não esperava

que fosse tempo

tempo de nada

tudo coisas que o tempo tem

ter tudo 

e até a mim também

encontrada no aqui e agora 

de um tempo que me contem

dê-me tempo ao tempo

que já o chamarei também

de tempo amigo

que havia pensado perdido

mas afinal no tempo me vive

no meu tempo estarei

de passagem ao tempo

a um outro tempo que virá 

a um tempo que passado não voltará

tempo! seja meigo comigo…

 

©ana’Carvalhosa
21.09.16

foto by © Octavio Manuel Correia Pinto