A vida acontece entre dois sonhos
No intervalo que não durmo
Mas eu prefiro o retiro do sono
E aquele sonho
Que o mundo pula e avança
De mão dada em confiança
Um estado tão puro
Que me dá esperança
De ter outro sonho
Onde possa ser ingénua e criança
Ter aquele sentir primeiro
E vivê-lo inteiro.
Nada sei mais do que ser intensa
Intensidades de nada em luz
Assim brilham os corpos
Onde se sentam cabeças
Atracam pernas e braços
Mãos com dedos que se agacham
Olhos que se tocam por lazer
Auréolas que se levantam
De um rio que outrora foi viver
Correm as águas nos nossos pés
Jorradas do interior
Lágrimas e alegria
Uma junção única de amor
*prefixo de negação
Maio, 2020, ana’Carvalhosa
Podia
Podia o dia ser
A noite acontecer
Mas a manhã partiu
A tarde fugiu
A noite nem apareceu
Podia o dia ser
A noite acontecer
Mas flores ficaram
No cheiro das nuvens
Na observação da cor
Podia o dia ser
A noite acontecer
Mas a rua calou-se
A gargalhada abafou-se
Num gelo de morrer
Podia o dia ser
Mas a noite acomodou-se.
Maio, 2020 ©ana’Carvalhosa
a Razão e a Certeza
A razão e a certeza dela nunca andam lado a lado parecem o cão e o gato o gato e o rato e ninguém é apanhado
Um dia a razão falou e quis a certeza ao pé, esta nem se manifestou para não haver banzé, então a razão continuou em pé, discursando até se fartar, quando acabou, vendo que a certeza a si não se juntou, perguntou, não é assim certeza?
A certeza então levantou-se e dispôs-se a caminhar, mas qual não foi o espanto da razão quando viu que a certeza a abandonou, boqiaberta e atordoada, zangada arrancou, um cabelo que a incomodava e não mais a chateou.
A razão é coisa inacabada e a certeza voltou.
Maio, 2020 ©ana’Carvalhosa
Conquista silenciosa
Porque te procuro no silêncio e sei que no silêncio existes ecos sem som porque em mim dormiste nos sonhos com som de quando te despiste e por grande alma te ter tocado observaste a cumplicidade do som trocado era silencioso em manhas de nem se ouvir mas o silêncio gritou procurou-te e não te encontrou serás outros silêncios que finalmente na realidade acordou Eu procuro-te silêncio porque o teu som me avassalou. Fev, 2020©ana'Carvalhosa
Dia nublado
Já espreita entre duas ruas
O sol nublado das suas luas
Terá já acordado ou dorminhoco prossegue
No deslizar do momento que sem pressa o procede
De pouco visível
Tapado nas suas vestes
De cetim aveludado
Nem mete o nariz de fora
Olha-nos de lado
Fev, 2020 ©ana’Carvalhosa
Deixai-me ser
Um caos no deserto Um silêncio no escuro Um acaso ao de leve Mas que seja claro Mas que seja simples Mas que seja eu Deixai-me ser Fev, 2020 ©ana'Carvalhosa
tempo
quanto tempo
parado no tempo
a ver o tempo
correr de encontro ao tempo
que o tempo não esperava
que fosse tempo
tempo de nada
tudo coisas que o tempo tem
ter tudo
e até a mim também
encontrada no aqui e agora
de um tempo que me contem
dê-me tempo ao tempo
que já o chamarei também
de tempo amigo
que havia pensado perdido
mas afinal no tempo me vive
no meu tempo estarei
de passagem ao tempo
a um outro tempo que virá
a um tempo que passado não voltará
tempo! seja meigo comigo…
©ana’Carvalhosa
21.09.16
foto by © Octavio Manuel Correia Pinto
mundos
fuga
fugir de mim é importante
porque sentir-te em mim é profundo
onde antes eras livre
agora és pássaro preso
na gaiola cantante
onde te solto
infeliz e farsante
tal rio de dissabores
ora salgados ora doces
mescla de dores
entre os habitantes
tenho de fugir
para crer
que o ser é…
migratório